A imprensa sempre
teve uma posição política desde os primórdios de sua existência. Ao longo dos
200 anos de história do jornalismo brasileiro sempre tivemos jornais e revistas
que não fazem parte do esquema das classes dominantes; sempre tivemos veículos
ligados às lutas dos trabalhadores e às correntes de pensamento contrárias ao
capitalismo. Sempre tivemos imprensa libertária, anarquista, socialista e
comunista, seja no campo dos jornais alternativos, e mesmo na chamada grande
imprensa.
Mas a partir da ditadura
militar (1964-1985), com patrulhamento ideológico permanente nos grandes
jornais, censura, perseguição e mortes, surgiu um tipo de pensamento único, e
se consolidou o jornalismo “chapa branca”, pautado pela versão dos vitoriosos.
Nesse período de nossa história a imprensa contra-hegemônica ou alternativa,
que também foi chamada de nanica, assumiu a luta pela democracia, contra o
autoritarismo e as violências do Estado. Os veículos de comunicação que
resistiam acabaram fechados por falta de publicidade.
Hoje, a imprensa de
mercado, se afigura a um instrumento de Estado ou de grupos econômicos, uma
poderosa ferramenta a serviço das classes dominantes. O jornalista virou um
funcionário burocrata. A única saída digna é ocupar os espaços da imprensa alternativa,
seja pela internet, pelos movimentos sociais, ou pelos partidos legitimamente
de esquerda (PSOL, PCB, PSTU, PCO). Este jornalismo que se consolidou nas
grandes Redações, nas revistas semanais, é cada vez pior profissional, política
e culturalmente. A perda do senso crítico é um fato.
A ultima grande
geração de jornalistas militantes do nacionalismo de esquerda, foi derrotada
com o golpe de 1964 e ficou relegada ao segundo plano. Osvaldo Costa, Lourival
Coutinho, Fernando Segismundo, João Antonio Mesplé, Gumercindo Cabral, Hélio
Fernandes, Edmar Morel, entre outros, foram profissionais que trabalhavam com
ética, sinônimo de integridade e lisura profissional, interesse público e
dignidade pessoal. As novas gerações de jornalistas, e estudantes de comunicação,
não sabem nem que um dia existiu jornalismo assim.
Edmar Morel, é um
ótimo exemplo dessa geração. Começou fazendo reportagem, depois fez
livro-reportagem e, em seguida, jornalismo histórico. Fazia não só um livro
sobre determinada reportagem, mas também, se dedicava a pesquisa histórica a
partir do jornalismo. Fazia a pesquisa histórica e, ao mesmo tempo, escrevia de
uma maneira jornalística com texto mais agradável, mais claro, fácil de se
entender. Atualmente podemos citar, dentre outros cada vez mais raros, Fernando
Moraes nesta linha de trabalho.
A partir de 1964,
foram criadas gerações de jornalistas que não tiveram contato com essa geração
anterior, criando este vácuo, um enorme vazio. Ao mesmo tempo, a ditadura foi
cerceando o perfil de jornalista mais crítico, mais investigativo. Não apenas a
ditadura, mas também a “evolução” das empresas jornalísticas sob a forte
influência do grande capital.
A “reinvenção” do
jornalismo
A mídia dominante
usa seu poder para sustentar ideologicamente o sistema capitalista, são
necessárias mais vozes críticas ao modelo de sociedade hegemônico, precisamos
“reinventar” o jornalismo. Falta na grande imprensa, hoje, uma proposta
editorial no campo da esquerda, que paute as mazelas produzidas pelo capitalismo,
que priorize a defesa da igualdade e os direitos humanos (moradia, saúde,
educação, cultura, comunicação, lazer, etc) atuando na oposição ao
neoliberalismo. Defendendo o fim dos privilégios e das discriminações, dos
preconceitos e da violência do Estado contra todos que lutam por seus direitos
fundamentais.
Após o fim da
ditadura militar, que durou 21 anos, não surgiu nenhum homem de mídia ousado,
que investisse e apostasse na criação de um grande veículo de comunicação com
uma linha editorial mais independente em relação aos Governos e grupos
empresariais; que produza um conteúdo com mais qualidade jornalística, com boas
reportagens e entrevistas, com material mais crítico e mais comprometimento com
as posições dos trabalhadores e movimentos sociais.
Continuamos vivendo
uma grande contradição: de um lado o modelo econômico favorece a concentração
dos meios em poucos oligopólios, que dominam e controlam a informação que
circula no mundo; de outro lado existe uma pressão cada vez maior da sociedade
para que o Estado adote medidas no sentido da democratização, já que a mídia
dominante usa seu grande poder para a sustentação ideológica do sistema. É
preciso que os meios de comunicação (tvs, rádios, jornais e revistas) assumam
compromissos com a transformação social, econômica e política do Brasil.
Ficou apenas para a
imprensa alternativa, cada vez mais nanica, fazer o contraponto a imprensa
dominante, de mercado, ligada ao capital. A publicidade privada procura
fortalecer os veículos do mercado, a mídia neoliberal concentra a maior fatia
das verbas privadas de publicidade nos veículos que defendem a sociedade
capitalista. Quem tem o dever de democratizar as verbas publicitárias são os
poderes públicos, na medida em que deveriam contemplar todos os veículos da
sociedade, sem discriminação, inclusive aqueles que acreditam num outro sistema
político-econômico. Defendo que as verbas publicitárias sejam distribuídas de
forma equitativa para todos os meios de comunicação. Isso seria o início de um
processo de democratização da comunicação, necessário e fundamental para a
sociedade brasileira.
A internet ainda
tenta escapar do controle do sistema, mas também já se apresenta como uma
ferramenta a mais para fortalecer o capitalismo. As mensagens comerciais ganham
em muito das mensagens de conteúdo libertário, independente e
contra-hegemônico. Os sites mais visitados são os mesmos da mídia empresarial
tradicional. É preciso reforçar e defender o espaço de liberdade na internet, especialmente
o que está ligado às lutas dos trabalhadores e às transformações sociais e
políticas.
Outro problema
crucial é a formação dos estudantes e o papel que universidade precisa cumprir.
Lamentavelmente as universidades brasileiras estão perdidas porque não estão
sintonizadas com nenhum projeto de nação. Estão apenas formando mão-de-obra
para o mercado, o que significa não se preocupar com a pesquisa, a
experimentação, a inovação e o contato com o povo brasileiro. Raras
universidades se relacionam com os movimentos sociais, poucas interagem com os
excluídos, explorados e oprimidos.
Os cursos de
Jornalismo não escapam dessa lógica, não conseguem contribuir de forma efetiva
para as transformações que a sociedade brasileira está a demandar há muitos
anos. O que falta no país é envolver a universidade num amplo projeto de
inclusão – com o Jornalismo envolvido diretamente nesse projeto. Assim todo
estudante, saberá por que está fazendo jornalismo.
As novas gerações
precisam entender o verdadeiro papel da comunicação de massa e do jornalismo,
precisa ser sensível e estar atenta às lutas dos trabalhadores, aos movimentos
sociais e a crítica ao modelo neoliberal. A sociedade precisa dessa imprensa
mais independente, crítica, que pode expor e debater todas as mazelas do
sistema capitalista. Só assim poderemos propor e construir um verdadeiro
projeto de nação, hoje só a imprensa alternativa cumpre um papel relevante de
elevar o nível da consciência sobre a realidade do Brasil e do mundo.
***
[Daniel Mazola F. de Castro, jornalista com pós-graduação, conselheiro suplente da Associação Brasileira de Imprensa e 2º secretário da Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos ABI]
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