As vezes sou obrigado a recorrer as leituras para me certificar que não estou falando besteira, ou me fortalecer, pois caso esteja não estou sozinho, tampouco foi invenção minha, ao contrário, foram os livros e alguns destes teimosos que admiro que aguçaram meu desejo pela mudança da escola.
Entrevista com Cipriano
Carlos Luckesi
Provas e exames, segundo o educador,
são apenas instrumentos de classificação e seleção, que não contribuem para a
qualidade do aprendizado nem para o acesso de todos ao sistema de ensino
Cipriano Carlos Luckesi é um dos nomes de referência em avaliação
da aprendizagem escolar, assunto no qual se especializou ao longo de quatro
décadas. Nessa trajetória, que começou pelo conhecimento técnico dos
instrumentos de medição de aproveitamento, o educador avançou para o
aprofundamento das questões teóricas, chegando à seguinte definição de
avaliação escolar: "Um juízo de qualidade sobre dados relevantes para uma
tomada de decisão". Portanto, segundo essa concepção, não há avaliação se
ela não trouxer um diagnóstico que contribua para melhorar a aprendizagem.
Atingido esse ponto, Luckesi passou a estudar as implicações políticas da
avaliação, suas relações com o planejamento e a prática de ensino e,
finalmente, seus aspectos psicológicos. As conclusões do professor paulista,
que vive desde 1970 em Salvador, apontam para a superação de toda uma cultura
escolar que ainda relaciona avaliação com exames e reprovação. "Estamos
trilhando um novo caminho, que precisa de tempo para ser sedimentado",
diz. Luckesi, que é professor aposentado, orientador de pós-graduandos e integrante
do Grupo de Pesquisa em Educação e Ludicidade da Universidade Federal da Bahia,
concedeu a seguinte entrevista a NOVA ESCOLA.
Como é feita, hoje, a avaliação de aprendizagem escolar?
A maioria das escolas promove exames, que não são uma prática de avaliação. O
ato de examinar é classificatório e seletivo. A avaliação, ao contrário,
diagnóstica e inclusiva. Hoje aplicamos instrumentos de qualidade duvidosa:
corrigimos provas e contamos os pontos para concluir se o aluno será aprovado
ou reprovado. O processo foi concebido para que alguns estudantes sejam
incluídos e outros, excluídos. Do ponto de vista político-pedagógico, é uma
tradição antidemocrática e autoritária, porque centrada na pessoa do professor
e no sistema de ensino, não em quem aprende.
A avaliação é constituída de instrumentos de diagnóstico, que levam a uma
intervenção visando à melhoria da aprendizagem. Se ela for obtida, o estudante
será sempre aprovado, por ter adquirido os conhecimentos e habilidades
necessários. A avaliação é inclusiva porque o estudante vai ser ajudado a dar
um passo à frente. Essa concepção político-pedagógica é para todos os alunos e
por outro lado é um ato dialógico, que implica necessariamente uma negociação
entre o professor e o estudante.
Nós, educadores do início do século 21, somos herdeiros do século 17. O modelo
atual foi sistematizado na época da emergência da burguesia e da sociedade
moderna. Se analisarmos documentos daquele tempo, como o Ratio Studiorum, dos
padres da ordem dos jesuítas, ou a Didactica Magna, do educador tcheco Comênio,
veremos que o modelo classificatório que praticamos hoje foi concebido ali.
Muitos outros educadores propuseram coisas diferentes desde então, mas nenhuma
dessas pedagogias conseguiu ter a vigência da pedagogia tradicional, que
responde a um modelo seletivo e excludente. Existem também razões psicológicas
para a insistência nos velhos métodos de avaliação: o professor é muito examinado
durante sua vida de estudante e, ao se tornar profissional, tende a repetir
esse comportamento.
Do ponto de vista pedagógico, de fato, não existe nenhuma razão cabível. A
reprovação é um fenômeno que, historicamente, tem a ver com a ideologia de que,
se o estudante não aprende, isso se dá exclusivamente por responsabilidade
dele. As frases reveladoras são aquelas do gênero "eles não querem mais
nada", "não estudam", "não têm interesse" etc. Muitas
outras razões, além do próprio aluno, podem conduzir ao fracasso escolar, como
as políticas públicas que investem pouco no professor e no ensino, com baixos
salários e problemas de infra-estrutura. O recurso da reprovação não existe em
sistemas escolares de países que efetivamente investem na qualidade da
aprendizagem.
O que revelam os altos índices de reprovação, sobretudo na 1ª
série?
Há aspectos internos e externos à escola. Os externos são a escassez de
recursos e as más condições de ensino. Os fatores internos dizem respeito à
relação professor-aluno. O professor ensina uma coisa, o estudante entende
outra; ensina de uma forma e solicita que seja colocada em prática de outra; ou
não usa atividades inseridas no contexto do aluno. Por exemplo: nas séries
iniciais, o programa prevê o aprendizado de números múltiplos. Então
pergunta-se no teste: "Quais os números menores de 200 múltiplos de 4 e de
6?" A parte que fala em "menores de 200" só está lá para
confundir o aluno e complicar a questão. Muitas crianças são reprovadas porque
o instrumento de avaliação é malfeito e as conduz ao erro.
Por que tanta repetência na fase de alfabetização?
Existem estudos estatísticos mostrando que o tempo médio de alfabetização no
Brasil é de 22 meses. Em algumas regiões, alfabetiza-se em seis meses; em
outras, demora-se três anos. Por isso se estabeleceram os ciclos de
aprendizagem. Mas não se investiu na qualidade. Se houvesse esse investimento,
um ano de alfabetização seria suficiente. Aqui na cidade de Salvador há um
projeto em que são atendidos meninos que não conseguiram aprender a ler e
escrever em até seis anos. Com uma abordagem correta, alfabetizaram-se em seis
meses. Eu tenho certeza de que qualquer criança com 6 anos e meio ou 7 se
alfabetiza em um ano.
Até que ponto o sistema de vestibular determina as avaliações
escolares hoje?
Vestibular
não tem a ver com educação, mas com a incapacidade do poder público de fornecer
ensino universitário para quem quer estudar. Agora, todo o ensino, desde o
Fundamental, está comprometido com o vestibular. É por isso que é tão comum a
adoção de testes que não medem o aprendizado, mas treinam para responder
perguntas capciosas. Eu proponho que as escolas invistam em uma prática
pedagógica construtiva e paralelamente treinem para o vestibular, com simulados
como os feitos pelos cursinhos. Já existem escolas no Brasil que investem na
qualidade de ensino e ao mesmo tempo conseguem colocar mais de 90% dos seus
estudantes na faculdade, sem necessidade de cursinho.
O que é preciso para planejar a avaliação de um determinado
período letivo?
O currículo escolar estabelece conteúdos para cada nível. É um
parâmetro que tem de ser conhecido. Depois é essencial o planejamento de
ensino, que direciona a prática pedagógica. Vamos supor que eu vá ensinar
adição. Vou trabalhar o raciocínio aditivo, fórmulas de adição, propriedades,
solução de problemas simples e solução de problemas complexos. Esse é o
panorama que irá assegurar a prática de avaliação. Se o estudante tem o
raciocínio, mas dificuldade de operar, preciso treinar essa fase. Um
planejamento didático consciente prevê a elaboração de instrumentos e a
correção deles quando ela for necessária para a reorientação do curso do
aprendizado.
De que forma a preparação do currículo influi nesse processo?
O currículo tem de distinguir e prever o que é essencial. O que
for ampliação cultural deve ser abordado apenas se houver tempo. Muitas vezes o
que ocorre é uma distorção: tomar o livro didático como roteiro de aulas e
considerar essencial o que está ali como ilustração, curiosidade,
entretenimento.
O uso de notas e conceitos pode servir a um projeto de avaliação
eficaz?
Notas ou conceitos têm por objetivo registrar os resultados da aprendizagem do
aluno por uma determinada escola. Eles expressam o testemunho do educador ou da
educadora de que aquele estudante foi acompanhado por ele ou ela na disciplina
sob sua responsabilidade. O registro é necessário. Afinal, nossa memória viva
não é capaz de reter tantos dados relativos a um estudante, quanto mais de
muitos, e por anos a fio. O que ocorreu historicamente é que notas ou conceitos
passaram a ser a própria avaliação, o que é uma distorção. Se os registros
tiverem por objetivo observar o processo de aprendizagem de cada aluno e sua
conseqüente reorientação, eles subsidiam uma avaliação formativa. Mas não se esses
registros representarem apenas classificações sucessivas do estudante.
Como avaliar o modo particular como cada um aprende? É possível um
atendimento tão individualizado?
Existe uma fantasia de que, quando se fala de uma avaliação eficiente, estamos
nos referindo ao atendimento de três ou quatro estudantes por vez. Mas os
instrumentos de coleta de dados ampliam a capacidade de observar do professor.
Se eu aplico uma avaliação para 40 alunos, não há mudança do ponto de vista da
qualidade. Cada um vai manifestar sua aprendizagem por meio do instrumento
escolhido. Avaliação não precisa ser por observação direta, mas por
instrumentos como teste, questionário, redação, monografia, participação em uma
tarefa, diálogo. Em uma classe numerosa, não posso usar entrevistas de meia
hora para cada aluno. Vou produzir questionários de perguntas fechadas e
trabalhar mais de perto com quem não tiver um desempenho satisfatório.
Quais são as vantagens e desvantagens dos trabalhos em grupo?
Se a intenção do professor é fazer um diagnóstico do desempenho de
cada um, o trabalho em grupo não vai ajudar muito, porque só avalia o conjunto.
Ele é mais útil como atividade de aprendizagem ou construção de tarefa. Por
outro lado, o trabalho em grupo favorece o crescimento do indivíduo entre seus
pares.
Avaliação envolve um alto grau de subjetividade. Como evitar ou
atenuar isso?
Há dois aspectos a considerar. Um é que o professor precisa estar honestamente
comprometido com o que acredita, e isso é uma atitude subjetiva, não tem jeito.
Outro aspecto é psicológico e exige autotrabalho para não deixar que questões
pessoais interfiram nas profissionais. Evitar a subjetividade, nesse sentido,
tem a ver com cuidar de si mesmo e do cumprimento de seus compromissos.
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