Zacarias Gama[2]
Os professores de universidades federais e estaduais e institutos
federais de educação estão em greve, mas por que estão em greve? Quais as
características desta atual greve? Qual análise pode-se fazer das
macropolíticas nas quais se insere este movimento dos
trabalhadores/professores?
Nesse sentido, objetivamos pontuar alguns aspectos da fundamentação do
processo histórico atual e a importância dessa greve para o conjunto da classe
trabalhadora.
A fundamentação mais remota, ou mais geral, desta greve é o conjunto de
reformas educacionais que está em curso no mundo e vem sendo pautada pela
racionalidade neoliberal. O caso mais impactante talvez seja o da Europa. Ali,
firmou-se a Declaração de Bolonha que, desde 1999 e até os dias atuais, busca
estabelecer a criação de um espaço europeu de ensino superior. Com isso,
pretende-se unificar os sistemas de ensino superior em toda a União Europeia,
tornando-os mais competitivos em uma sociedade do conhecimento e capazes de
maior acumulação capitalista com a venda de conhecimentos com alto valor
agregado em uma economia do conhecimento[3].
No Brasil, sucessivos governos vêm implementando a reforma do Estado e
também da Educação igualmente inspiradas pelo ideário neoliberal, e com resultados
desastrosos para o conjunto dos trabalhadores da educação, em especial para os
professores. Após o governo FHC (1995-2002), por exemplo, consolidou-se a
sequência de incremento no financiamento da educação, culminando no governo
Lula (2003-2010) com a ampliação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) e sua transformação
em Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação (FUNDEB), abrangendo desde os níveis da Educação
Infantil, o Ensino Fundamental até o Ensino Médio. Na Educação Superior,
atualmente, temos já finalizada a primeira parte da reforma universitária com a
instituição do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES),
Programa de Reestruturação e Expansão Universitária (REUNI) e Programa Universidade para Todos (PROUNI). Já no governo
Dilma projeta-se a segunda fase do REUNI. Uma linha de continuidade entre os
três governos é a implementação da lógica produtivista na gestão das
universidades e na produção docente, intensificando um processo de
radicalização da eficiência, ou seja, uma busca análoga às leis de incremento
da mais-valia relativa imposta ao proletariado pela burguesia.
Dessa forma, a ampliação do olhar sobre o que acontece no campo da
Educação, e em particular sobre esta greve, vê-se que não está descolada desta
historicidade. Tampouco podemos isolar a Educação da economia política ou dos
vários acordos supranacionais e tentativas de livre trânsito e comércio de
produtos e serviços (entre eles os serviços educacionais), como foi o caso do
Mercosul e da Alca, e também da Eurozona, esta última vivendo atualmente a
maior crise da história em função da crise estrutural do capitalismo e da crise
de submissão dos Estados nacionais às determinações do Parlamento de Bruxelas.
Desse processo político-econômico, decorrem as iniciativas concretas de:
a- integração econômica
e regulamentação comercial de produtos e serviços;
b- transnacionalização
de empresas e indústrias, e portanto do capital já em sua mais nova forma
imperialista (capital-imperialismo[4]).
c- padronização de
atendimento e oferta de serviços,
d- criação de monopólios,
oligopólios e poliopólios de produtos e serviços.
De
forma geral, há a internacionalização das aplicações financeiras na dinâmica
improdutiva do capitalismo contemporâneo conforme a avidez de maior lucro dos
grandes capitalistas (em especial os grandes grupos e holdings, e corporações
financeiras). Isso ocorre a partir de um processo histórico relativamente
recente, acelerado desde os anos 1980 e, no caso brasileiro de forma
contundente a partir dos anos 1990 e 2000 com o beneplácito dos respectivos
governos. À transformação da natureza e consequente complexificação da produção
e comercialização de todos os bens e serviços na forma de mercadorias,
incorporaram-se novos arranjos de consumo e comércio de bens culturais e
educacionais; a educação aparece como fetiche do desenvolvimento nacional e,
individualmente, como trampolim para os confortos da vida pequeno-burguesa ou
da empregabilidade.
O
desenvolvimento do setor de serviços afetou a maneira como compreendemos o
movimento no interior do sistema capitalista. Dessa forma, podemos supor que há
uma padronização, uma lógica de produção e oferta de serviços, desde os
alimentos até a educação estandardizada. Grande número de escolas de todos os
níveis adota um padrão e funcionam como fast foods[5]. O processo está generalizado:
globalmente predomina a estandardização. No espaço europeu de educação superior
já se admite que independe estudar em uma universidade de Paris, Roma, Lisboa
ou Atenas: os produtos oferecidos e avaliados conforme determinados critérios
são os mesmos e valem os mesmos créditos. No Brasil, os intelectuais orgânicos
do capital esforçam-se para que nossas instituições de ensino funcionem da
mesma maneira. Quando estão no MEC e na Capes se esmeram para consolidar o
nosso “complexo de vira-lata”[6] por meio das Prova Brasil, SAEB,
ENEM e DATACAPES.
Por outro lado, e de forma processual, o capitalismo na atualidade está
centralizado no desenvolvimento das forças produtivas atreladas à globalização
ou, como Chesnais[7] nos mostra, atreladas à
mundialização do capital. É nesse processo de condução do capitalismo
contemporâneo, nos quais ocorre a chamada globalização[8] e se desenvolve o
capital-imperialismo, que inserimos o estado atual da educação e a insurgência
constante de greves de trabalhadores em educação. Além disso, os indicativos
relativos ao desenvolvimento da educação no Brasil, que pressionam os
trabalhadores e precarizam as condições de trabalho, podem ser vistos também
como subserviência às determinações mundiais para o desenvolvimento do país,
colocando-o no patamar de “país desenvolvido” economicamente e socialmente.
Noutra perspectiva, compreendemos a educação de forma crítica ao quadro
descrito, e do entendimento da necessidade de sua universalização como serviço
prioritário do Estado. No caso do Ensino Superior, nós, professores do
movimento grevista, defendemos, a materialização da universidade pública,
gratuita, laica, de qualidade e socialmente referenciada, mantida integralmente
pelo Estado. Também defendemos uma Universidade Necessária à sustentabilidade
do atual e futuro desenvolvimento brasileiro, da nossa Segurança Nacional (ver
a invasão estrangeira na Amazônia), da nossa produção científica e tecnológica
com alto valor agregado.
A greve dos trabalhadores docentes e funcionários
técnico-administrativos das universidades públicas, não apenas exige melhores
salários e condições de trabalho; antes ela exige que o Brasil seja
independente e soberano no concerto das nações.
[1] Professor da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul (UFMS) e membro do Comando Estadual Unificado de Greve.
[2] Professor da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ) e do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e
Formação Humana (PPFH)
[3] Sobre uma crítica à noção de sociedade
do conhecimento e a questão do mundo do trabalho, ver LESSA, Sérgio. Trabalho e
luta de classes na “sociedade do conhecimento. In: Jimenez, S.; Oliveira, J. L.; Santos, D. (Orgs) Marxismo, Educação e
Luta de Classes. UECE/IMO/SINTSEF, Fortaleza, 2008. Localizado em
[4] Sobre o conceito de
capital-imperialismo ver FONTES, Virginia. O Brasil e o capital-imperialismo:
teoria e história. Rio de Janeiro: EPSHV/Editora UFRJ, 2010. Em especial, ver o
Capítulo I: “Para pensar o capital-imperialismo contemporâneo de recursos
sociais de produção e expropriações”.
[5] Esse modelo não é novo, e pode ser
visualizado em GENTILI, Pablo. Neoliberalismo e educação: manual do usuário. In: SILVA, Tomaz Tadeu; GENTILI, Pablo (Orgs.). Escola S. A.: quem ganha e
quem perde no mercado educacional do neoliberalismo. Brasília: CNTE, 1996.
[6] Expressão usada pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva para designar
um possível complexo de inferioridade brasileira diante da sociedade do
Primeiro Mundo.
[8] Sobre a questão da globalização e o
conceito de capitalismo contemporâneo, ver COSTA, Edmilson. A Globalização e o
Capitalismo Contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
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