16.7.12

A GREVE DOS PROFESSORES: ALGUMAS REFLEXÕES



André Malina[1]
Zacarias Gama[2]
           
Os professores de universidades federais e estaduais e institutos federais de educação estão em greve, mas por que estão em greve? Quais as características desta atual greve? Qual análise pode-se fazer das macropolíticas nas quais se insere este movimento dos trabalhadores/professores?
Nesse sentido, objetivamos pontuar alguns aspectos da fundamentação do processo histórico atual e a importância dessa greve para o conjunto da classe trabalhadora.
A fundamentação mais remota, ou mais geral, desta greve é o conjunto de reformas educacionais que está em curso no mundo e vem sendo pautada pela racionalidade neoliberal. O caso mais impactante talvez seja o da Europa. Ali, firmou-se a Declaração de Bolonha que, desde 1999 e até os dias atuais, busca estabelecer a criação de um espaço europeu de ensino superior. Com isso, pretende-se unificar os sistemas de ensino superior em toda a União Europeia, tornando-os mais competitivos em uma sociedade do conhecimento e capazes de maior acumulação capitalista com a venda de conhecimentos com alto valor agregado em uma economia do conhecimento[3].
No Brasil, sucessivos governos vêm implementando a reforma do Estado e também da Educação igualmente inspiradas pelo ideário neoliberal, e com resultados desastrosos para o conjunto dos trabalhadores da educação, em especial para os professores. Após o governo FHC (1995-2002), por exemplo, consolidou-se a sequência de incremento no financiamento da educação, culminando no governo Lula (2003-2010) com a ampliação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) e sua transformação em Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), abrangendo desde os níveis da Educação Infantil, o Ensino Fundamental até o Ensino Médio. Na Educação Superior, atualmente, temos já finalizada a primeira parte da reforma universitária com a instituição do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), Programa de Reestruturação e Expansão Universitária (REUNI) e Programa Universidade para Todos (PROUNI). Já no governo Dilma projeta-se a segunda fase do REUNI. Uma linha de continuidade entre os três governos é a implementação da lógica produtivista na gestão das universidades e na produção docente, intensificando um processo de radicalização da eficiência, ou seja, uma busca análoga às leis de incremento da mais-valia relativa imposta ao proletariado pela burguesia.
Dessa forma, a ampliação do olhar sobre o que acontece no campo da Educação, e em particular sobre esta greve, vê-se que não está descolada desta historicidade. Tampouco podemos isolar a Educação da economia política ou dos vários acordos supranacionais e tentativas de livre trânsito e comércio de produtos e serviços (entre eles os serviços educacionais), como foi o caso do Mercosul e da Alca, e também da Eurozona, esta última vivendo atualmente a maior crise da história em função da crise estrutural do capitalismo e da crise de submissão dos Estados nacionais às determinações do Parlamento de Bruxelas. Desse processo político-econômico, decorrem as iniciativas concretas de:
a-      integração econômica e regulamentação comercial de produtos e serviços;
b-      transnacionalização de empresas e indústrias, e portanto do capital já em sua mais nova forma imperialista (capital-imperialismo[4]).
c-      padronização de atendimento e oferta de serviços,
d-      criação de monopólios, oligopólios e poliopólios de produtos e serviços.
            De forma geral, há a internacionalização das aplicações financeiras na dinâmica improdutiva do capitalismo contemporâneo conforme a avidez de maior lucro dos grandes capitalistas (em especial os grandes grupos e holdings, e corporações financeiras). Isso ocorre a partir de um processo histórico relativamente recente, acelerado desde os anos 1980 e, no caso brasileiro de forma contundente a partir dos anos 1990 e 2000 com o beneplácito dos respectivos governos. À transformação da natureza e consequente complexificação da produção e comercialização de todos os bens e serviços na forma de mercadorias, incorporaram-se novos arranjos de consumo e comércio de bens culturais e educacionais; a educação aparece como fetiche do desenvolvimento nacional e, individualmente, como trampolim para os confortos da vida pequeno-burguesa ou da empregabilidade.
            O desenvolvimento do setor de serviços afetou a maneira como compreendemos o movimento no interior do sistema capitalista. Dessa forma, podemos supor que há uma padronização, uma lógica de produção e oferta de serviços, desde os alimentos até a educação estandardizada. Grande número de escolas de todos os níveis adota um padrão e funcionam como fast foods[5]. O processo está generalizado: globalmente predomina a estandardização. No espaço europeu de educação superior já se admite que independe estudar em uma universidade de Paris, Roma, Lisboa ou Atenas: os produtos oferecidos e avaliados conforme determinados critérios são os mesmos e valem os mesmos créditos. No Brasil, os intelectuais orgânicos do capital esforçam-se para que nossas instituições de ensino funcionem da mesma maneira. Quando estão no MEC e na Capes se esmeram para consolidar o nosso “complexo de vira-lata”[6] por meio das Prova Brasil, SAEB, ENEM e DATACAPES.
            Por outro lado, e de forma processual, o capitalismo na atualidade está centralizado no desenvolvimento das forças produtivas atreladas à globalização ou, como Chesnais[7] nos mostra, atreladas à mundialização do capital. É nesse processo de condução do capitalismo contemporâneo, nos quais ocorre a chamada globalização[8] e se desenvolve o capital-imperialismo, que inserimos o estado atual da educação e a insurgência constante de greves de trabalhadores em educação. Além disso, os indicativos relativos ao desenvolvimento da educação no Brasil, que pressionam os trabalhadores e precarizam as condições de trabalho, podem ser vistos também como subserviência às determinações mundiais para o desenvolvimento do país, colocando-o no patamar de “país desenvolvido” economicamente e socialmente.
Noutra perspectiva, compreendemos a educação de forma crítica ao quadro descrito, e do entendimento da necessidade de sua universalização como serviço prioritário do Estado. No caso do Ensino Superior, nós, professores do movimento grevista, defendemos, a materialização da universidade pública, gratuita, laica, de qualidade e socialmente referenciada, mantida integralmente pelo Estado. Também defendemos uma Universidade Necessária à sustentabilidade do atual e futuro desenvolvimento brasileiro, da nossa Segurança Nacional (ver a invasão estrangeira na Amazônia), da nossa produção científica e tecnológica com alto valor agregado.
A greve dos trabalhadores docentes e funcionários técnico-administrativos das universidades públicas, não apenas exige melhores salários e condições de trabalho; antes ela exige que o Brasil seja independente e soberano no concerto das nações.


[1] Professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e membro do Comando Estadual Unificado de Greve.
[2] Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH)
[3] Sobre uma crítica à noção de sociedade do conhecimento e a questão do mundo do trabalho, ver LESSA, Sérgio. Trabalho e luta de classes na “sociedade do conhecimento. In: Jimenez, S.; Oliveira, J. L.; Santos, D. (Orgs) Marxismo, Educação e Luta de Classes. UECE/IMO/SINTSEF, Fortaleza, 2008. Localizado em
[4] Sobre o conceito de capital-imperialismo ver FONTES, Virginia. O Brasil e o capital-imperialismo: teoria e história. Rio de Janeiro: EPSHV/Editora UFRJ, 2010. Em especial, ver o Capítulo I: “Para pensar o capital-imperialismo contemporâneo de recursos sociais de produção e expropriações”.
[5] Esse modelo não é novo, e pode ser visualizado em GENTILI, Pablo. Neoliberalismo e educação: manual do usuário. In: SILVA, Tomaz Tadeu; GENTILI, Pablo (Orgs.). Escola S. A.: quem ganha e quem perde no mercado educacional do neoliberalismo. Brasília: CNTE, 1996.
[6] Expressão usada pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva para designar um possível complexo de inferioridade brasileira diante da sociedade do Primeiro Mundo.  
[7] CHESNAIS, François. A Mundialização do Capital. São Paulo: Xamã, 1996.
[8] Sobre a questão da globalização e o conceito de capitalismo contemporâneo, ver COSTA, Edmilson. A Globalização e o Capitalismo Contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

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