19.11.10

Muito Bom...

O JORNAL ESCOLAR
 Uma das grandes falhas da nossa cultura — e a escola não teve pouca participação nisso — é o fato grave de que, para as crianças e adultos de nossa época, o texto impresso tornou-se um tabu.
O jornal, sobretudo, é tabu. "Está escrito... está impresso. Não estaria no jornal se fosse falso"!
É desta fascinação pelo texto impresso que vivem os jornais de grande tiragem e as organizações de propaganda que se servem deles como instrumento ..falseando tragicamente, nos nossos dias, os próprios princípios da democracia...
Hoje, o jornal pensa pelos seus leitores... O público abstém-se de criticar... E teremos muita sorte se não apedrejarem aqueles, fora do comum, que continuam a ter idéias próprias e que se atrevem a expressá-las
Infelizmente, a escola tradicional prepara essa submissão dos indivíduos diante da imprensa. Os primeiros textos apresentados às crianças são — naturalmente — textos de adultos. Lá estão eles, impressos na cartilha. Não se sabe o que querem dizer, mas são textos de leitura que é preciso papaguear antes de tentar entendê-los, se é que merecem ser entendidos.
Quando chegar para a criança a hora de abordar a redação, que não tem, de forma alguma, por objetivo permitir que expresse seus próprios pensamentos "tão pobres e insignificantes", ela vai repetir e copiar as frases impressas nos livros ou que lhe forem ditadas pelo professor...
Ela se convence então, lentamente, de que seu pensamento —como, aliás, os seus atos— são e deverão ficar insignificantes, que só tem valor o pensamento majestoso amplificado pelos livros e jornais. Ela está...pronta a receber novas ditaduras.
Queremos destruir esta tradição.
Conosco, as crianças compõem, página por página, o seu próprio jornal que, como todas as criações humanas, comporta sua parte de erros e incertezas. A partir daí, elas sabem como são feitas as enquetes, como são conduzidas as reportagens, como se deforma a bela profissão de escritor ou jornalista.
Graças ao texto livre e ao jornal, habituamos os nossos alunos a uma crítica da imprensa, à aceitação e à procura dessa crítica... Aprendem a detectar, com um bom senso recuperado, a presença incorrigível da verborréia e da leitura de mundo que se esconde sob o alarido de certas páginas. Aprendem, por experiência, a julgar as obras que lhe são apresentadas e rapidamente, se tornam aptos a descobrir o que se esconde de falso e contraditório nas imponentes rubricas dos jornais.
E o mais importante é que, com tais bases, damos aos nossos alunos idéias que consideramos decisivas: tudo o que lhes é ensinado pode ser reconsiderado, os pensamentos mais importantes podem e devem ser passados pelo crivo de sua própria experiência, o conhecimento se conquista e que a ciência se faz.
No dia em que os cidadãos souberem que seu jornal pode mentir, ou, pelo menos, apresentar como decisivos aspectos apenas parciais dos problemas, quando tiverem essa formação de experimentadores e criadores que nos esforçamos em lhes dar, então haverá qualquer coisa de diferente nas nossas democracias

A escola deveria ter mais a fazer do que preparar servos e robôs.
Célestin Freinet
Le Journal Scolaire (O Jornal Escolar)
Cannes (França) 1967 – pp110-112
Tradução: Anne-Marie Milon Oliveira
Publicado em Portugal por Editorial Estampo (Oporto)
Distribuído no Brasil por Martins Fontes Editora

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