20.8.10

Sobre as Cotas na UFRJ e no Brasil


Carta aberta sobre as cotas na UFRJ
Ao contrário do que pretendem afirmar alguns setores da imprensa, o debate em torno de políticas afirmativas e de sua implementação no ensino universitário brasileiro não pertence à UFRJ, à USP ou a qualquer setor, "racialista" ou não, da sociedade. Soma-se quase uma década de reflexões, envolvendo intelectuais, dirigentes de instituições de ensino, movimentos sociais e movimento estudantil, parlamentares e juristas.
Atualmente, cerca de 130 universidades públicas brasileiras já adotaram políticas afirmativas - entre as quais, a das cotas raciais - como critério de acesso à formação universitária. Entre estas instituições figuram a UFMG, a UFRGS, a Unicamp, a UnB e a USP, que estão entre as mais importantes universidades brasileiras.
Em editorial da última terça-feira, 17 de agosto, intitulado "UFRJ rejeita insensatas cotas raciais", o jornal O Globo assume, de forma facciosa, uma posição contrária a essas políticas afirmativas. O texto desmerece as ações encaminhadas por mais de cem universidades públicas e tenta sugestionar o debate em curso na UFRJ. Distorcendo os fatos, o editorial fala em "inconstitucionalidade" da aplicação do sistema de cotas, quando, na verdade, o que está em pauta no Supremo Tribunal Federal não é a constitucionalidade das cotas, mas os critérios utilizados na UnB para a aplicação de suas políticas afirmativas.
Na última década, enquanto a discussão crescia em todo o país, a UFRJ deu poucos passos, ou quase nenhum, para fazer avançar o debate sobre as políticas públicas. O acesso dos estudantes à UFRJ continua limitado ao vestibular, com uma mera pré-seleção por meio do ENEM, o que significa um processo ainda excludente de seleção para a entrada na universidade pública. Apesar disso, do mês de março para cá, o debate sobre as cotas foi relançado na UFRJ e, hoje, várias decisões podem ser tomadas com melhor conhecimento do problema e das posições dos diferentes setores da sociedade em relação ao assunto.
Se pretendemos avançar rumo a uma democracia real, capaz de assegurar espaços de oportunidades iguais para todos, o acesso à universidade pública deve ser repensado. Isto significa que é preciso levar em conta os diferentes perfis dos estudantes brasileiros, em vez de seguir camuflando a realidade com discursos sobre "mérito" (como se a própria noção não fosse problemática e como se fosse possível comparar méritos de pessoas de condição social e trajetórias totalmente díspares) ou sobre "miscigenação" (como se não houvesse uma história de exclusão dos "menos mestiços" bem atrás de todos nós).
Cotas sociais - e, fundamentalmente, aquelas que reconhecem a dívida histórica do Brasil em relação aos negros - abrem caminhos para que pobres dêem prosseguimento aos seus estudos, prejudicado por um ensino básico predominantemente deficiente. Só assim os dirigentes e professores das universidades brasileiras poderão continuar fazendo seu trabalho de cabeça erguida. Só assim a comunidade universitária poderá avançar, junto com o país e na contra-mão da imprensa retrógrada, representada por O Globo, em direção a um reconhecimento necessário dos crimes da escravidão, crimes que, justamente, por ainda não terem sido reconhecidos como crimes que são, se perpetuam no apartheid social em que vivemos.
Rio de Janeiro, 19 de agosto de 2010

Assinam os professores da UFRJ:
Alexandre Brasil - NUTES, Amaury Fernandes – Escola de Comunicação, André Martins Vilar de Carvalho - Filosofia/IFCS e Faculdade de Medicina, Anita Leandro – Escola de Comunicação,
Antonio Carlos de Souza Lima – Museu Nacional, Beatriz Heredia - IFCS, Clovis Montenegro de Lima - FACC/UFRJ-IBICT, Eduardo Viveiros de Castro – Museu Nacional, Denilson Lopes – Escola de Comunicação, Elina Pessanha - IFCS, Fernando Alvares Salis – Escola de Comunicação, Fernando Rabossi - IFCS, Fernando Santoro - IFCS, Flávio Gomes - IFCS, Giuseppe Mario Cocco - Professor Titular, Escola de Serviço Social, Heloisa Buarque de Hollanda – Professora Titular, Escola de Comunicação/FCC, Henrique Antoun - Escola de Comunicação, Ivana Bentes – Diretora, Escola de Comunicação, Katia Augusta Maciel - Escola de Comunicação, Leilah Landim – Professora – Escola de Serviço Social, Leonarda Musumeci – Instituto de Economia, Lilia Irmeli Arany Prado – Observatório de Valongo, Liv Sovik – Escola de Comunicação, Liz-Rejane Issberner - FACC/UFRJ-IBICT, Marcelo Paixão – Instituto de Economia, Marcio Goldman – Museu Nacional, Marildo Menegat – Escola de Serviço Social, Marlise Vinagre - Escola de Serviço Social, Nelson Maculan - Professor titular da COPPE e ex-reitor da UFRJ, Olívia Cunha – Museu Nacional, Otávio Velho – Professor Emérito, Museu Nacional,
Paula Cerqueira – Professora Instituto de Psiquiatria, Paulo G. Domenech Oneto – Escola de Comunicação,
Renzo Taddei – Escola de Comunicação, Roberto Cabral de Melo Machado - IFCS , Samuel Araujo – Escola de Música, Sarita Albagli – Professora PPG-FACC-UFRJ/IBICT, Silvia Lorenz Martins - Observatorio do Valongo, Suzy dos Santos – Escola de Comunicação, Tatiana Roque – Instituto de Matemática, Virgínia Kastrup – Instituto de Psicologia, Silviano Santiago, Professor emérito, UFF

3 comentários:

  1. Tenho muito orgulho de pertencer a UERJ, instituição pioneira na implementação das cotas no vestibular. Pena não ver-mos, nem a longo prazo, o fim dessa prova segregalista. Vide a dificuldade da própria UFRJ, na demora em implementar apenas a cota para escolas públicas.
    PS: O Globo sempre tendencioso. Parabéns aos professores que mandaram resposta a matéria.

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  2. Este sistema de cotas é ridiculo, racista , não existe nada mais racista, querendo não ser racista, do que isso. Primiero pq se fala em negros, mas na verdade o patamar ao que os senhores todos se referem não proveem apenas de negros e sim de uma classe não privilegiada, por uma educação decente (não digo nem "boa educação" falo apenas em decente) , uma saúde decente, tudo enfim mais decente do que se apresenta, do que se apresentou um dia. Os senhores , doutores em um montão de coisas e donos das "suas" verdades acham mesmo que fazendo existirem tais cotas farão com que essa classe desprivilegiada passe a ter acesso a novas oportunidades, não , né? é claro que não, ou os senhores vivem apenas de "escritos" e não se deparam com a realidade? Esses pobres desprivelegiados não conseguirão na maioria das vezes prosseguirem e pq? Pq lhes faltam preparo, ou seja, vcs não estão a fazer droga alguma apenas tumultuam sem melhorarem de forma verdadeira essa população, que injustamente não tem acesso a nada ... Rosana Fonseca

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