18.4.11

O Ensino Médio vai ganhar mais uma reforma?

O presente texto é de autoria do Prof. Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo, escritor e professor da UFRRJ. A brilhante reflexão colabora com uma série de discussões que vimos fazendo em sala de aula. Qual o rumo do Ensino Médio? Quais suas perspectivbas atuais?
 Em aula tenho utilizado alguns textos que auxiliam nesta interlocução, contudo esta colaboração do referido Prof. creio, será de extrema valia.
Vamos a leitura;

O texto;
A minha geração viveu o fim da melhor estrutura curricular de ensino que pudemos engendrar na escola pública de nosso país. Passamos por três grandes modificações, criadas por duas LDBENs, e arrebentamos com tal estrutura. Agora, o governo, por meio do CNE, quer dar uma solução para o ensino médio e, numa visão otimista, parece tentar recuperar o que havia de bom há cinqüenta anos. Será que é isso?

A vida da escola pública brasileira nos anos cinqüenta era governada pela “Reforma Capanema”, criada na ditadura varguista do Estado Novo. Isso durou oficialmente até 1961, quando então se fez a nossa primeira LDBN (4.024/61). Bem grosso modo, posso dizer que o que tínhamos no ensino médio urbano, então na época chamado de “colégio”, era uma estrutura tripla de grade curricular: “científico”, “clássico” e “normal”. A primeira grade dava ênfase às áreas de ciências naturais e matemáticas, a segunda era mais voltada para as áreas de ciências humanas, letras e filosofia e, enfim, a terceira era profissionalizante, com um ano a mais que as outras duas, e formava a professora primária, a que seria a responsável pelo ensino das crianças nos seus primeiros quatro anos de escola. Antes da LDBN essa trifurcação era rígida. Entrava-se em uma das três opções e terminava-se nela, e com isso também o destino universitário ficava comprometido. As faculdades tinham vestibulares próprios e tudo se encaminhava de modo que as opções de ensino superior fossem as mesmas feitas na entrada do colégio, a partir da definição de uma suposta vocação profissional. Após a LDBN essa estrutura não foi alterada, mas passou a funcionar na forma de “vasos comunicantes”, e a rigidez no ponto de chegada, antes posta na lei, foi extinta.

A mudança radical, mesmo, ocorreu com LDBN de 1971 (5.692/71). “Primário”, “Ginásio” e “Colégio” desapareceram. Criou-se o “Primeiro Grau” de oito anos e o “Segundo Grau” de três anos. Foi posto como objetivo, a curto e médio prazo, a transformação de todo o “Segundo Grau”, que deveria deixar de ser propedêutico ao ensino superior, passando a ter uma “terminalidade” própria, uma vez que toda a grade curricular desse nível de ensino teria de ser profissionalizante, segundo um surto inventivo, comandado pelo MEC, sem paralelo na história do Ocidente.

Nessa época, junto disso, veio o arrocho salarial da carreira do professor. Então, tendo a escola pública de ensino médio perdido sua função propedêutica ao ensino superior e tendo os professores sido deslocados para baixo na escala de salários, logo em seguida ocorreu o então inevitável: as classes médias mais abastadas fugiram da escola pública e foram para as escolas particulares. Estas, na sua maioria, até então eram escolas “papai pagou, passou”. Mas elas se remodelaram para receber os alunos que, agora, queriam algo como “papai pagou, passou, sim, mas no vestibular”. Sem as classes médias na escola pública que hoje chamamos de nível médio, essa escola perdeu seu prestígio social e, assim, passou a ser desconsiderada pelos políticos.

Em 1978 a profissionalização obrigatória da escola de Segundo Grau foi extinta. O governo militar reconheceu o fracasso de sua reforma de ensino, ou seja, de sua LDBN, mas não fez nada para criar uma nova estrutura para o ensino médio. A escola pública de nível médio ficou ao Deus dará. Ninguém mais sabia o que era tal coisa. Mas o país não ficou preocupado, uma vez que a escola que hoje chamamos de ensino médio, particular, arcou com todo o serviço da estrutura que tínhamos nos anos cinqüenta, quanto ao que importava para a classe média: a entrada no ensino superior e/ou o aprendizado dos conteúdos que, enfim, são mesmos os necessários para quem quer fazer a universidade de modo razoável.

Bem, vivemos agora a LDBN de 1996 (9.394/96). Temos agora o Ensino Básico, que engloba a escola fundamental de nove anos e a escola média de três anos. É mais ou menos sabido o que se deve fazer no ensino fundamental, mas o ensino médio ainda está indefinido. Uma parte do governo atual (e também a oposição!) quer forçar que esse ensino se encaminhe para a profissionalização. Outra parte do governo tem uma proposta, que está para ser analisada no CNE, que diz que seria interessante “flexibilizar” o currículo da escola média. Essa proposta está associada a um mecanismo de fornecimento de dinheiro do MEC para as escolas públicas estaduais e municipais que vierem a criar “experiências pedagógicas”. Com a flexibilização da grade curricular da escola, decidida pelas autoridades da própria escola, o estabelecimento de ensino se guiaria pelas áreas predefinidas pelo governo (cujo critério epistemológico não é fundamentado e, enfim, nem mostrado pelo governo) como sendo em número de quatro: “trabalho”, “cultura”, “tecnologia” e “ciência”.

Esse novo modelo poderia recriar algo semelhante à situação já vivida, a do “clássico”, “científico” e “normal”. Pode-se até pensar que a inspiração do governo, ao propor tal coisa, ainda que sem o saber corretamente, esteja almejando a recriação de uma situação do passado que já deu certo. É claro que, agora, tudo isso é dito sob o manto de palavras como “multidisciplinarismo” e “interdisciplinarismo” ou até “saberes complexos” (a área de educação adora palavras de “modinhas”), englobando ou não uma tentativa de profissionalização velada ou explícita, uma “terminalidade” para os pobres que, enfim, ficaram na escola média pública, sendo mesmo o único lugar que possuem de contato com a cultura formal.

Isso vai funcionar?

A escola pública brasileira é toda estadual ou municipal. Portanto, a adesão ao que o MEC fala é, sempre, algo que se desdobra segundo a velocidade e vontade dos poderes locais. Mas, como há dinheiro na jogada, pode ser que as coisas caminhem até depressa. Todavia, na prática, temo que essa reforma vinda do CNE, e que parece contar com total apoio do MEC, não vá produzir nenhum efeito benéfico geral em termos da aperfeiçoamento da rede de ensino público. Não creio que poderia ser esperado, como à primeira vista poderia parecer, uma reforma que vá trazer o que havia de bom nos anos cinqüenta e sessenta, quando da existência das grandes áreas de conhecimento como base para a grade curricular. O que pode ocorrer é uma desarticulação total da própria idéia de escola média nacional, empurrando os estabelecimentos de ensino na direção do fosso dos interesses pessoais, mesquinhos, que visariam criar cargas horárias para premiarem amigos do diretor da escola e coisas assim e/ou então a criação de disciplinas com conteúdo regionalista, a partir de um falso paulofreirismo, que diz que o aluno tem de partir da “realidade vivida localmente”. Como creio que é isso que vai vingar, e não outra coisa, então eu penso que o MEC e o CNE, com tal atitude, podem muito bem apenas armando a arma que irá dar o tiro de misericórdia no ensino médio público. Associando isso ao piso salarial falso, que não é pago e, se fosse, também não resolveria nada, vai ser um belo desmonte do pouco que resta do ensino público de nível médio. É claro que o êxito de algumas escolas sempre servirá para que o governo mostre que o modelo, uma vez cumprido, seria o correto. Esse tipo de propaganda que pega pelo que sai fora da regra e não pelo que é comum, nós conhecemos bem.

O resultado disso tudo será visto nos exames do PISA, onde estamos mostrando que 60% dos nossos jovens não entende o conteúdo central de uma mensagem escrita. A partir daí, a idéia de “Brasil potência” aparecerá na boca de Dilma, como apareceu na boca de Lula, do mesmo modo que ficamos com o “Milagre Brasileiro” na boca de Delfim Neto, nos anos 70. Brasil – o país que seria o país do futuro, mas que perdeu para a China e para a Índia, porque conseguiu ficar junto com o Equador. Assim será a nossa história, vítima de nossa história da educação? Gostaria que não, mas, com esse governo e essa oposição que temos, é o que vai ocorrer caso sigamos nesse caminho torto.

© 2011 Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo, escritor e professor da UFRRJ

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