3.12.10

O que sobe o morro no Rio?


O que sobe o morro no Rio?

A maior parte dos jornalistas e dos governantes estão dizendo que o Estado voltou a reinar na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão. A população começa a aceitar isso e, então, aprende a noção de Estado de um modo que não condiz com a boa filosofia política ou com a ciência política contemporânea. A solução prática imediatista se torna erro conceitual. Todos começam a achar que o Estado nada é senão o aparato policial fixado em um território. Ou seja, a polícia entra no morro e asteia uma bandeira brasileira e eis que os brasileiros dali se imaginariam sob a proteção do Estado brasileiro.
O que faz com que existam pessoas escolarizadas, inclusive com formação universitária, que acreditam que o Estado é isso que se diz por esses dias na TV? É que a concepção de Estado de Max Weber casou-se com a de Lênin e, em alguns lugares, tornou-se popular, mesmo para quem nunca tenha lido esses homens. Isso, amalgamado nos eventos policiais da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, como comentados na mída, cria um pós-conceito de Estado. Ele é tão errado quanto o pré-conceito.

Weber dizia, corretamente, que o Estado é a instituição que tem o “monopólio da violência”. Lênin adotava uma das fórmulas (mas não a única) cunhadas por Marx, a do Estado como “comitê gerenciador dos negócios da burguesia”. Desse modo, se as forças policiais recuperam o controle de um lugar e, ali, voltam a ter o monopólio da violência e, além disso, as coisas assim se fazem com os representantes dos setores mais ricos, no governo, gerenciando tudo, então não é difícil encontrar pessoas que irão tomar uma versão popular de Weber-Lênin como a verdade do que é o Estado.
Todavia, seria no mínimo simplista adotar, hoje em dia, para definir o Estado, as fórmulas de Weber e Lênin, como eu as descrevi acima. Faz tempo que o Estado não pode mais ser reduzido ao “estado mínimo” adotado na descrição de Weber-Lênin. O aparato de política social do Estado começou a se desenvolver no final do século XIX na Europa. Os Estados Unidos conheceu tal aparato com o New Deal, após 1930, e a Europa o utilizou de modo mais efetivo, em um sentido mais próximo do atual, após a II Guerra Mundial. O Estado vigente em boa parte dos países europeus e na América se tornou naturalmente um tipo de Welfare State. Assim, também a noção de Estado mudou. Nem mesmo os defensores atuais do “estado mínimo” veriam o Estado como o “estado mínimo” da fórmula Weber-Lênin. No entando, é exatamente esse “estado mínimo” que está vigente nas favelas retomadas e, enfim, é isso que os jornalistas e governantes, em termos conceituais, hoje, trazem como o conceito de Estado.
Assim, deveríamos tirar uma lição escolar do que os jornalistas e governantes falam a respeito do Estado, quanto ao que ocorre hoje, aceitando o que dizem como um contra exemplo. Quando eles dizem que há Estado, devemos ler “não há Estado”. Para existir Estado nas “comunidades”, o nome que agora damos às favelas, seria necessário que todo o serviço público funcionasse ali como sendo público. Seria necessário que as políticas sociais aparecessem ali de fato, e sem a poeira populista e a demagogia barata.
Não vale dizer que antes as políticas sociais não podiam entrar nas favelas porque havia o tráfico. Bobagem. Elas nunca entraram e, até por isso, foi fácil para o tráfico se instalar. Depois, além do tráfico, vieram as cobranças da polícia corrupta sobre o tráfico e sobre o que o tráfico se transformou, um tipo de “prefeitura clandestina”, tudo o que o filme Tropa de Elite denunciou e que ainda vale.
O que os filósofos podem fazer diante disso? Duas atitudes se impõem: no campo da cidadania, particpar das reividicações para que o Estado que vai subir o morro não seja um engodo e, diante da opinião pública, insistir que o conceito de Weber-Lênin não é um bom conceito de Estado para os dias de hoje.

Extraído do Sítio: http://ghiraldelli.pro.br/2010/12/01/o-que-sobe-o-morro-no-rio/
2010 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ

Nenhum comentário:

Postar um comentário