30.11.09

DEU NA NET...

Confesso que não tinha elementos palpáveis para mensurar o episódio de Cesare Batisti, aliás, sou réu confesso:

- Ainda não os tenho

Porém, como geralmente ocorre em situações como esta, recorro a minha sensibilidade para tomar partido. Ao ouvir alguns notórios ancoras da mídia televisiva, estes cada vez mais comprometidos com as redes dos podres poderes, tenho a clara percepção que o referido “terrorista” vinha sendo alvo ruidoso dos déspotas que historicamente vêm defendendo os verdadeiros terroristas brasileiros.
Um jornal televisivo que não vocifera ódio de um governador que é pego em flagrante delito,ao receber em rede nacional propina, não tem legitimidade para externar ódio de um terrorista italiano da década de 70.
Quantas foram as mortes causadas per este mandatário brasileiro? O fato é que provavelmente esta prática ceifou algumas vidas, com a ausência de um sistema digno de saúde, aí não há ódio...
Não há a percepção de ódio em relação ao ex-prefeito carioca que declarou que a industria das multas iniciara-se em seu governo, pois deve haver aí uma interpretação de que esta prática não seja uma prática terrorista... Embora igualmente ao exemplo anterior a ausência de um sistema digno de Educação tenha produzido gerações de jovens analfabetos que sem expectativa de vida vieram a matar e morrer. Porém, isto não é terrorismo?
Este mesmo setor do jornalismo televisivo não vocifera ódio da truculência da polícia que insiste em atirar nos inocentes das comunidades carentes, e negociar com o crime varejista de drogas a invasão policial nesta ou naquela comunidade...

- Hein... Isto não é terrorismo?


Vez por outra me pegava observando uma (geralmente irresponsável) matéria jornalística televisiva que fazia alusão ao caso em questão... Porém minhas dúvidas começam a se dissipar quando os parlamentares do DEM (carinhosamente apelidado de DEMO), os mesmos que se locupletaram das artimanhas de seu Governador, que aliás irá precisar de muita arruda atrás da orelha, para se prevenir dos maus olhados, se revelam os mais ruidosos críticos de uma eventual decisão de acolhimento deste refugiado.
Creio que ainda poderia continuar escrevendo mais algumas linhas, porém tive o imenso prazer de receber esta esclarecedora carta que agora divido com vocês, leiam e façam suas observações.


Por Bernard-Henri Lévy*, na Folha de S.Paulo



Prezado presidente Lula,

Sei bem que o debate sobre o caso Cesare Battisti, antigo militante dos Proletários Armados pelo Comunismo, acusado de atos de terrorismo na Itália dos anos 70, tem despertado paixões no seu país.


Também sei que o jogo das instituições brasileiras, o esgotamento dos procedimentos previstos na sua democracia e a decisão apertada a favor da extradição, tomada pelo Supremo Tribunal Federal após longo julgamento, fazem com que agora caiba ao senhor, e ao senhor apenas, o poder de decidir se esse antigo militante, que se tornou um escritor de sucesso, deve ou não ser entregue à Itália.

Senhor presidente, inicialmente gostaria de lhe dizer que ninguém mais do que eu tem horror ao terrorismo. E desejo deixar claro que a luta contra esse terrorismo, a luta contra o direito que alguns se atribuem, nas democracias, de fazerem a lei eles próprios e de recorrerem às armas para fazer com que suas vozes sejam ouvidas é uma das constantes, senão a constante, de toda a minha vida de homem e de intelectual.

No entanto, se me dirijo a Vossa Excelência, é exatamente porque não está provado que Cesare seja esse terrorista que uma parte da imprensa italiana descreve e que, se tivesse cometido tais crimes, não mereceria nenhuma indulgência.

Ele foi condenado como tal, eu bem o sei, por um tribunal legalmente instituído, num país cujo caráter democrático não imagino, em nenhum momento, colocar em dúvida. Mas até as melhores democracias (a França sabe disso, pois, durante a guerra da Argélia, tomou liberdades com a liberdade, e os EUA de Bush, após o 11 de Setembro...) podem incorrer em erros e cometer injustiças.

O processo de Cesare Battisti, esse processo que o reconheceu culpado há 21 anos pelas mortes de Santoro e Campagna, levanta, nessa circunstância, ao menos três questões às quais um homem imbuído de justiça e de direito não pode ficar insensível.

A primeira diz respeito ao testemunho e às provas produzidas pela acusação e a partir do que Battisti foi condenado: trata-se, essencialmente, do testemunho de um arrependido, quer dizer, de um verdadeiro criminoso que trocou, à época, sua própria condenação pela denúncia premiada de alguns de seus camaradas.

Battisti havia fugido para o México e, depois, para a França quando o arrependido Pietro Mutti imputou-lhe a totalidades dos crimes da organização em que militavam. Todos os observadores que tiveram conhecimento do caso não acreditam ser possível nem verossímil que um jovem de 20 anos tenha cometido tais crimes.

A segunda questão diz respeito a um principio da Justiça italiana e ao fato de que, diferentemente do que se passa em vosso país ou no meu, os condenados à revelia não têm, mesmo se forem capturados, se se entregarem ou se forem extraditados, direito a um novo processo no qual possam se defender.

Assim, se Vossa Excelência decidir recusar a Battisti o status de refugiado e deixar, então, que ocorra o procedimento de extradição, ele irá, logo que voltar à Itália, direto para a prisão (perpétua, já que tal é a pena a que foi condenado, sem apelação, no processo à sua revelia) e será o único condenado à prisão perpétua que jamais terá tido a possibilidade de se encontrar com seus juízes para confrontá-los e responder, pessoalmente, cara a cara, a respeito dos crimes que lhe são imputados.

E acrescento, finalmente, esse detalhe sobre o qual o mínimo que se pode dizer é que não é apenas um detalhe: Battisti nega os crimes que lhe são imputados. Numerosos são os seus colegas escritores e numerosos são os juristas que, após o exame do processo, acreditam ser plausível sua inocência. De sorte que corremos o risco de ver terminar seus dias na prisão um homem cujo único crime seria, nesse caso, ter acreditado, durante sua juventude, nas teorias da violência revolucionária.

Eu amo o Brasil, sr. presidente. Amo o exemplo que ele dá ao mundo de uma política fiel aos ideais progressistas e, ao mesmo tempo, aos princípios de equilíbrio e sabedoria. Eu ficaria consternado -somos muitos que ficaríamos consternados- de ver "nosso" Lula macular a tradição de acolher os refugiados, que é um dos orgulhos de seu país.

Extraditar Battisti criaria um perigoso precedente. Não extraditá-lo mostraria ao mundo, que tem os olhos voltados para o Brasil e para Vossa Excelência, que existem princípios que nem a razão de Estado nem a lógica dos monstros sem emoção podem suplantar. Eu peço a Vossa Excelência que aceite, senhor presidente, a expressão de minha simpatia, de minha admiração e de minha esperança. Atenciosamente,

Bernard-Henri Lévy


* Bernard-Henri Lévy, escritor e filósofo francês, é fundador da revista La Règle du Jeu e colunista da revista Le Point

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